Este Blog foi criando com objetivo de organizar os trabalhos produzidos pelos alunos da Escola Municipal Darcy Vargas. --- A idéia é que os alunos pesquisem em suas casas, e tragam fotos, cartas ou objetos que cative a memória de suas famílias. --- Os Alunos irão analisar as fontes que encontrarem em suas casas, Com isso irão dissertar sobre quais motivos fizeram com que suas famílias migrassem para a cidade do Rio de Janeiro. --- Utilizando as fontes como objeto de memória.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
domingo, 28 de novembro de 2010
DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE EM SALA DE AULA.
à As postagens acima foram desenvolvidas pelos alunos na produção da atividade citada. Com base nas aulas.
sábado, 27 de novembro de 2010
Fonte - 4 - Os Retirantes (1944), Portinari
Cândido Portinari - Óleo s/ Tela. 190 x 180 cm
Para um melhor entendimento a respeito das questões suscitadas, podemos nos utilizar de autores como PANOFSKY[1], para auxiliar, dando o suporte necessário para o desenvolvimento da análise da imagem selecionada, e a produção de um conhecimento mais abrangente sobre as questões que envolvem o tema. Com relação às questões da leitura de imagem teremos que compreender melhor os conceitos de iconografia e iconologia. Na definição de PANOFSKY[2], A Iconografia tem seu sufixo vindo do verbo grego graphein, ´escrever´. Assim sendo, implica um método de proceder puramente descritivo, ou até mesmo estatístico. A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens. Ao fazer este trabalho, a iconografia torna-se um instrumento fundamental para o estabelecimento de datas, origens e, às vezes, autenticidade, além de fornecer as bases necessárias para interpretações posteriores.
Então temos na iconologia o suporte necessário para o desenvolvimento de uma linha de pesquisa que possibilite suscitar ou criar novas leituras de uma imagem. Para PANOFSKY:[3] Tais interpretações posteriores ficam a cargo da iconologia. Se o sufixo ´grafia´ denota algo descritivo, o sufixo ´logia´derivado de logos, quer dizer “pensamento” e denota algo interpretativo. Assim, iconologia é, portanto, um método de interpretação, advindo da síntese mais do que da análise. Tais procedimentos configuram-se como o que, talvez, mais se aproxime de uma totalidade de compreensão possível, do ponto de vista científico, da leitura de uma imagem. Porém, a obstinada busca da totalidade, ou melhor, de uma verdade inquestionável, esbarra e perpassa o universo das subjetividades do leitor de imagens. A cada leitor, ainda que de posse da totalidade das informações disponíveis, teremos, possivelmente, uma construção distinta acerca de uma dada imagem.
A análise iconológica, segundo PANOFSKY[4], é constituída de três etapas, a saber: O Primeiro momento é denominado pré-iconográfico ou fenomenológico, e tem como função a identificação e enumeração das formas puras reconhecidas como portadoras de significados, ou seja, o mundo dos motivos artísticos.
O Segundo momento, chamado de iconográfico, diz respeito ao estatuto, ou seja, ao domínio daquilo que identificamos como imagens, histórias e alegorias. O Terceiro momento é identificado como camada da essência, ou significado intrínseco ou conteúdo, é dado pela determinação dos princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe social, crença religiosa ou filosófica – qualificados por uma personalidade e condensados numa obra. Os diversos âmbitos de estudos propostos não são seqüenciais nem isolados. Eles estão interconectados, mas vão ficando cada vez mais profundos.
O nível de profundidade da leitura da imagem vai depender de um interesse pessoal e de um desejo de buscar nas diversas abordagens a respeito de leitura, a que ofereça mais subsídios para o entendimento. Vejamos agora alguns elementos específicos da linguagem, que serão elementos da composição da obra. Fundamentais na construção do seu conteúdo.
Poderemos iniciar descrevendo a obra em nível denotativo, ou seja, partir do que realmente vemos. Por exemplo, antes de percebermos que se trata de uma pintura Retirantes, de Portinari, em que vemos representados, nove personagens, de frente para nós, agrupados, porém com certa divisão, com tais roupas, gestos, indumentárias etc. Essa descrição dos signos que aparecem na obra e de como se combinam é muito importante, pois irá nos fornecer dados para estabelecermos relações que não estão tão aparentes, mas que se encontram implícitas na obra. Por isso é imprescindível que façamos uma descrição detalhada e cuidadosa, a mais completa possível.
Finalmente deveremos levantar os significados de cada signo e dos signos combinados entre si. Segundo ARANHA[5] “Os significados de cada signo vão sendo alterados pelos significados dos outros signos formando um espesso tecido de significações que se cruzam e entrecruzam”.
A obra pode criar um universo de significações que jamais se esgota e que pode até ultrapassar em muito a intenção do autor, e no caso da leitura, ser amplamente explorada, gerando a cada nova interpretação uma nova possibilidade de acesso a novas indagações. Cada pessoa tem seu próprio modo de ver uma imagem, sendo que o professor de História ao fazer a leitura de uma imagem, deverá explorar novas possibilidades. Neste sentido percebemos na fala de Aranha[6], uma possibilidade de leitura: No momento que isolamos uma figura sobre um determinado fundo, em que se combinam determinadas cores ou formas, que se associam a uma imagem, estes significados se alteram, criando novas possibilidades de interpretações.
No levantamento das questões, do que se vê num sentido de descrição, análise e interpretação da obra, é importante sempre levar em conta o lugar e a época que a obra foi produzida, e perceber as possibilidades de conexão com o que a obra pode nos dizer hoje.
As interpretações oriundas desse processo de leitura, relacionando sujeito/obra/contexto, não são passíveis da redução certo/errado. Podem ser julgadas por critérios tais como: pertinência, coerência, possibilidade, esclarecimento, abrangência, inclusividade, entre outros. Na Contextualização, necessitamos de domínio na História da Arte, e das diversas áreas do conhecimento. É justamente neste momento que o conhecimento de mundo que o individuo possui poderá auxiliá-lo numa melhor decodificação dos símbolos e signos presente na imagem.
A mulher que segura à criança, tipicamente a sustenta pelo lado, apoiando-a seu quadril. Seu olhar distante, também transmite tristeza e solidão, que é marcada pela fragilidade de sua fisionomia. Podemos perceber um pequeno raio de cor presente na veste desta mulher, que usa uma saia com o tom rosa/avermelhado. Esta mulher, mesmo frágil em sua condição social, possui certo vigor físico, maior que seu suposto marido.
Na outra família percebemos uma mulher mais jovem, com cabelos longos e negros, seu olhar é triste, cansado e sua face transmite uma grande carga expressiva que retrata seu sofrimento. Esta mulher está segurando com seu braço esquerdo uma trouxa branca que certamente contém roupas. No braço direito apóia uma criança recém nascida. Ao seu lado está seu marido, com um chapéu na cabeça, segurando a mão de uma criança que também está usando um chapéu. Com a outra mão o pai das crianças esta segurando um pequeno pedaço de pau, com uma trouxa de roupas na sua ponta, que está apoiada sob seu ombro esquerdo. E ao lado do pai se encontram duas crianças, sendo a da frente do sexo masculino, pois está seminua e sua genitália está à mostra. Esta mesma criança apresenta um abdome bastante avantajado, o que pode ter sido proposital pelo artista ao querer mostrar que no período da produção da obra o país enfrentava sérios problemas com as questões de saneamento básico e tratamento da água, o que fazia com que grande parte da população fosse atingida pela esquistossomose
No céu, percebemos uma grande quantidade de pássaros que foram retratados num céu bastante azul, estes pássaros foram pintados de preto, certamente com uma finalidade de retratação da morte, lembrada pela da presença dos urubus, a qual mantém uma intima relação com esta ave que sorrateiramente aguarda a hora de se aproveitar daqueles que não resistem mais e morrem. Percebemos também uma alusão alegórica à morte no encontro de uma destas aves com o cajado do personagem mais velho da composição, formando a conhecida ´foice` que representa a presença desta que ceifa a vida.
E na linha do horizonte percebemos uma luminosidade presente, diferenciando-se de toda a cena que é predominantemente escura. E ainda no lado superior direito percebemos a lua retratada num tom de cinza escuro, o que a faz quase se confundir com o céu. Infecção causada por verme parasita da classe Trematoda. No nosso país a esquistossomose é causada pelo Schistossoma Mansoni.
FIGURA 04 – Retirantes (Detalhe)1944 - Cândido Portinari - Óleo s/ Tela. 190 x 180 cm
O principal hospedeiro e reservatório do parasita é o homem sendo a partir de suas excretas (fezes e urina) que os ovos são disseminados na natureza. No canto inferior esquerdo, percebem-se algumas montanhas bastante distantes, e quatro “montinhos” de terra. Sob o chão que os personagens estão, podemos perceber que existe uma grande quantidade de pedras e também uma parte de um osso de animal, este osso, pela sua constituição e forma, percebemos que é uma parte de fêmur, osso da perna que sustenta o corpo, está retratado numa cor bastante clara, quase num tom de branco.
Temos um embate entre o sagrado e o profano, o sagrado da família e a morte que se mostra para profanar ainda mais este cenário de sofrimentos. Percebemos claramente o ciclo da vida que se inicia com uma criança nesta cena, e finda na figura cadavérica do personagem mais idoso da composição. Para o exercício de analise de imagens, poderemos também utilizar diversas fases ou momentos vivenciados pela Arte.
Observamos também na obra de Portinari uma tendência cubista, que se verifica tanto nas roupas do adulto da direita como nas roupas da criança seminua do lado inferior direito. No Cubismo, temos como as principais características: a geometrização das formas e volumes; renúncia à perspectiva; o claro-escuro perde sua função; representação do volume colorido sobre superfícies planas; sensação de pintura escultórica e cores austeras.
Percebemos que ao pintar Retirantes (1944), Portinari queria não só retratar uma situação queria também denunciar as desigualdades sociais tão acentuadas deste período. São nove personagens, em que podemos perceber duas famílias, ou duas gerações de famílias, sendo que a primeira, se olharmos da esquerda para a direita, percebemos um velho com uma espécie de cajado, uma mulher aparentemente mais velha, segurando uma criança completamente nua. Esta nudez nos permite visualizar nesta criança os sintomas da pobreza e fome a que estes personagens estão inseridos.
Na representação de figura humana realizada por Portinari, suas figuras assumem uma fisionomia de cansaço e dor, são desfigurados, e expressões como apatia e assombro substituem as expressões comuns da face do ser humano. As personagens maltrapilhas, esquálidas e mutiladas pela vida dão um toque grave e compenetrado, olhares distantes ansiosos em busca de algo que não se percebe encontrado. Percebe-se o medo e a incerteza no olhar distante e na fisionomia do primeiro personagem da esquerda, um velho que se apóia ou é apoiado pelo cajado. Neste cajado percebe-se uma relação de apóio/suporte bastante intensa, e cujas dimensões se comparadas à proporcionalidade da figura, se torna um elemento muito pesado na composição.
Na família de retirantes representada por Portinari, podemos verificar a presença de uma certa divisão, ou de um certo “encontro” das duas famílias. Percebemos que a mulher que está com a criança que está completamente nua, encontra-se de perfil, o que conota uma mudança na trajetória ou então o encontro de duas famílias.
Além disso, aponto para o fato de um dos personagens aparentar ter contraído esquistossomose (Figura 15): O garoto na extrema direita aparenta ter esquistossomose devido ao grande volume de seu abdome.
Ao perceber que os personagens representados na obra são retratados numa posição estática, compreendemos que a figura do pai assume uma postura de desilusão e desespero, em sua opinião o toque das mãos entre o filho e o pai é um ponto determinante de sustentação de toda a cena (Figura 16): A única força em que o mantém de pé é o toque da mão de seu filho. Isto o mantém vivo, lembrando a ele que há pessoas que necessitam dele.
Assim como o senhor mais velho na composição se apresenta cansado, desnutrido e com uma fisionomia de quem está quase chorando (Figura 18): O avô possui um olhar cansado e aparenta estar chorando Está sem camisa, deixando amostra seu estado de subnutrição: praticamente não há músculos em seu tórax.
A mãe possui uma expressão de desespero com toda a situação vivenciada. Um olhar que transmite toda a preocupação de uma mãe que ao ver os filhos em tamanho sofrimento busca disfarçar a quantidade dos sofrimentos vivenciados.
Com relação ao cenário, o fato de que este é totalmente sem vida, já que não encontramos nenhuma espécie de plantas, caracterizando-o como a um deserto: É um lugar seco (quando falta água... falta vida).
Fig. 16 Retirantes 1944 (Detalhe)
Notamos que o desenvolve de uma leitura mais elaborada que a realizada por no sentido de estabelecer conexões apresentadas na obra com a realidade em que vive. Ao descrever toda a realidade colocada por Portinari, contextualiza a imagem que, mesmo sendo da década de 40, pode ser considerada como “perfeitamente atual”. Ele vê os problemas sociais na obra, relaciona-os com a atualidade, mas, diferentemente não sugere nenhuma possibilidade de mudança.
Ao longo desta pesquisa em que buscamos realizar uma análise de como as diferentes formas de olhar e de interpretar uma mesma imagem revelam a multiplicidade de significados suscitados por ela, podendo ser tomados como possibilidades de trabalho em sala de aula pelo professor de arte, observamos que, devido a complexidade das questões que permeiam a leitura de imagem, ainda temos um longo caminho a percorrer.
Tentamos considerar não apenas os aspectos metodológicos envolvidos na ação de ler imagens, mas também os aspectos histórico-culturais que permeiam a subjetividade de cada sujeito e determinam sua maneira de interpretar uma imagem em seu tempo e lugar. Consideramos então que esta pesquisa abre caminho para indagações futuras, uma vez que, em relação à leitura de imagem, constatamos a abertura de novas possibilidades de aprofundamento da investigação de como se dão os processos de construção de leituras em outros indivíduos. Assim, procuramos estabelecer relações entre as experiências e olhares de pessoas “leigas”¹ e a nossa experiência de leitura de imagem fundamentada no Método Iconológico.
A partir da proposta de leitura de imagem da obra Retirantes (1944), observamos que em momento algum eles sugerem que no contexto apresentado existam duas famílias de retirantes, e seja um momento de encontro destas famílias, como foi por nós compreendidos. Por outro lado, a presença das palavras pobreza, miséria, doença, esquistossomose, cadáver, cadavéricas, entre outras, nos mostra que muitos pontos tomados por nós como objeto de investigação para aprofundar a leitura de imagem norteada pelo Método Iconológico também se fizeram presentes nas leituras apresentadas.
Desta maneira observamos que as diferentes formas de pensamento adquirido ao longo dos anos, relacionando este com a área de formação do individuo, e com questões de gênero, podem interferir na maneira a qual percebe e interpreta imagens. Sendo assim acreditamos que se faz necessário uma pesquisa mais detalhada a partir destes novos dados, onde se possam explorar melhor tais possibilidades de forma a incorporar os aspectos significativos da leitura de imagem a propostas de construção plástica e de contextualização, seja ela histórica econômica ou social, em sala de aula.
Fonte - 3- Clipe da Musica a Triste Partida - Composição: Patativa do Assaré.
Fonte - 3- Letra da Musica a Triste Partida - Composição: Patativa do Assaré
Uma hipótese é de que o sanfoneiro tenha suavizado o sotaque nordestino e apelado para formas mais próximas da língua geral do país, como uma maneira de romper com um regionalismo mais acentuado de Patativa.
Outra é de que, para ajustar ao compasso do ritmo musical e ao seu estilo tivesse Luiz Gonzaga que modificar alguns versos. Encontra-se, de fato, no texto, elementos que fundamentam uma e outra hipótese. Neste TCC utiliza-se a versão firmada na discografia de Luiz Gonzaga em razão de ter sido esta a mais difundida e se prestar a contento para os objetivos desta reflexão, voltadas para a análise do conteúdo socioeconômico do poema. Reconhece-se a importância de se efetuar estudos sobre a recepção e apropriação da obra de Patativa do Assaré pelos músicos e pelo público em geral. Para isso, deve-se recorrer aos escritos originais, comparando-o com as versões musicadas ou publicadas em outros veículos de expressão.
Para guardar, porém a fidelidade ao texto original escrito, em anexo, apresentamos um quadro comparativo das duas versões. Em tom de lamento, onde se repetem como estribilho as exclamações de apelo religioso (Meu Deus, meu Deus!) e de dor física (ai, ai, ai, ai), a letra é composta de estrofes, de quatro em quatro versos, em que se alternam os estribilhos acima, no fim de cada estrofe. O investimento na noção de tempo se expressa esgotando-se um calendário agrícola (de Setembro a Março), em que as alternativas de esperança vão sendo tentadas e conduzindo a uma situação de crise, culminando na decisão por uma viagem. Composto em 19 estrofes, a letra abre o raciocínio e tenta demonstrar e analisar a injustiça social que não se resolve com a mudança de lugar.
Meu Deus, meu Deus, Setembro passou Outubro e novembro,
Já tamo em dezembro, Meu Deus, que é de nós.
Meu Deus, meu Deus, Assim fala o pobre,
Do seco nordeste.Com medo da peste, da fome feroz
Ai, ai, ai, ai.
O poema de PATATIVA DO ASSARÉ[2] é pleno de esperança, no começo, e revela, liricamente, as diversas formas de resistência do nordestino submetido à seca e às condições econômicas e sociais precárias. O início do poema, como se lê acima, começa com um pressentimento de medo das doenças e da fome que podem advir caso não se concretize o período de chuvas esperado. De dentro do medo, a personagem recorre a adivinhações aprendidas no seu meio cultural. Conhecimentos construídos sobre mitos vão ser demolidos por uma racionalidade experimentada, vivida. Ali começa a primeira perda: o abalo da crença em um conhecimento popular aprendido pela tradição local, baseado em números cabalísticos (treze) ou no calendário regular (representado pela festa do Natal). A lógica metafísica vai sucumbir às transformações climáticas.
A treze do mês / Ele fez experiência/ Perdeu sua crença/Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus,
Mas noutra esperança,/ Com gosto se agarra,/Pensando na barra,/Do alegre natal,
Ai, ai, ai, ai.
No verso acima se misturam prática popular baseada na fé com o teste (experiência, característico da prática científica). Frustrados os dois, outro passo é dado na tentativa de reconhecer melhor, no calendário de festas, a chegada de chuva. Nada de chuva se confirma, e outros sinais da natureza se apresentam indicando que o verão será rigoroso.
Rompeu-se o natal/Porém barra não veio/O sol bem vermeio/Nasceu muito além,
Meu Deus, meu Deus,
Na copa da mata/Buzina a cigarra,/Ninguém vê a barra /Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai.
A vermelhidão do sol é prenúncio de tempos difíceis, de um inferno se aproximando. A constatação de salvação, até aqui, seria pelo único e incontestável sinal da natureza, a queda de chuva, pela terra molhada, pela possibilidade concreta de poder plantar, criar, colher. Uma inflexão é introduzida na construção lógica do camponês. Esgotado o calendário e as crenças, o vaticínio é de castigo. Vale a pena chamar a atenção para o termo nortista, usual no sul para designar os nordestinos.
Sem chuva na terra/Descamba janeiro,/Depois fevereiro,/E o mesmo verão,
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista/Pensando consigo/Diz, isto é castigo/Não chove mais não
Ai, ai, ai, ai.
Não vindo chuva por estes sinais conhecidos dos tempos, o homem volta-se para o sobrenatural. Apela para São José que também não lhe responde, e aqui se anuncia uma perda importante, a da fé guardada para momentos de necessidade extrema. Mais do que castigo, a seca transforma-se em condenação... No Nordeste, o milho plantado no dia de São José, é colhido no mês de Junho, comemorando-se a colheita por ocasião das festas de São João e São Pedro. O curto ciclo do milho representa a atividade agrícola em toda a sua força...
Apela prá março/Qué é o mês preferido/Do santo querido/Senhor São José
Meu Deus, meu Deus,
Mas nada de chuva/Tá tudo sem jeito/Lhe foge do peito/O resto da fé
Ai, ai, ai, ai.
Não havendo solução nos planos anteriores, o camponês é obrigado a uma estratégia forçada, vendendo seus meios de produção. A estratégia é de sobrevivência modificando a forma de ganhar a vida, ou a morte... São Paulo é, no poema, representação da cidade grande, caudatária dos trabalhadores deserdados de seus fazeres nos seus locais de origem. A passagem do trabalho autônomo para trabalho assalariado é, aqui, bem representada pela criação do trabalhador que não terá senão a sua força de trabalho para vender. São Paulo, a cidade, é trocado pelo rural, pelo jegue, cavalo, galo... Na impossibilidade de resolver o problema da vida no lugar, a saída é tomar outro caminho, outro rumo, outra trilha (tria).
Agora pensando/Ele segue outra tria/Chamando a famia/Começa a dizer,
Meu Deus, meu Deus,
Eu vendo meu burro,/Meu jegue e o cavalo,/Nós vamo a São Paulo/Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai.
No início, a saída é pensada como um movimento temporário, com uma perspectiva de retorno. As perdas seriam algumas, mas não muitas, pois recuperáveis. A consciência de estar indo para terras alheias, para ser estrangeiro, gera o desconforto e o desejo de volta para o lugar de origem. Por pior que seja, a construção é de um deixar de ser para continuar sendo...
Nós vamo à São Paulo/Que a coisa tá feia/Por terras aleia/Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino/Não for tão mesquinho/Cá e pro mesmo cantinho/Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai.
O desfazer-se das coisas nos momentos de crise é mais difícil porque ocorre em condições desfavoráveis. Alguém sempre lucra com a miséria alheia. Seus bens passam para outro por valor inferior ao que vale. Embora de maneira tímida, o autor expressa uma revolta de caráter social, manifestando o caráter de classe, onde mais que a seca como fenômeno físico, a exploração econômica se manifesta. A venda em si mesmo não é tão dolorosa quanto à consciência de estar sendo explorado em seu momento de desgraça. O verso denuncia a imprevidência e a falta de política para ocasiões como esta.
E vende seu burro/Jumento e o cavalo/Inté mesmo o galo/Venderam também
Meu Deus, meu Deus,
Pois logo aparece/Feliz fazendeiro/Por pouco dinheiro/Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai.
O primeiro sinal da ida para a cidade, para a modernidade é o caminhão, onde ele joga a família, e é expulso da terra natal, da terra onde nasceu, onde construiu sua história. Ficam para trás seu passado e dos seus filhos, parentes, amigos... A família não sobe no caminhão, mas é jogada. O dia da partida, triste dia, dá nome ao poema: Triste partida. A seca assume o papel de flagelo, de bicho feroz, faminto (que tudo devora) e implacável, expulsando todo o grupo de seu local de origem. Retificada como animal voraz, a seca é representada ora como fenômeno natural, ora social.
Em um caminhão/Ele joga a famia/Chegou o triste dia/Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus,
A seca terrível/Que tudo devora/Lhe bota pra fora/Da terra natal
Ai, ai, ai, ai.
A consciência da perda bate depois da saída. Na estrada, na sensação de velocidade do carro no topo da serra, distanciando-se do chão... A estrofe é construída demonstrando a transição de situações e a consciência que se avoluma justamente neste momento. O afastar-se da terra é representada praticamente como uma morte, em que a família muda de plano, saindo de uma situação para outra...
O carro já corre/No topo da serra/Oiando prá terra/Seu berço, seu lar/
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista/Partido de pena/De longe acena/Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai.
A consciência da perda se aprofunda nos dias que se passam. Não só o pai perde, mas toda a família. E esta mesma consciência ganha concretude quando eles começam a fazer o rol de perdas...
No dia seguinte/Já tudo enfadado/E o carro embalado/Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado, /Falando saudoso/Com seu fio choroso/Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai.
O que representará para as crianças a perda dos animais de estimação, do contato afetuoso com cada um deles? Revivendo o cotidiano camponês, a nostalgia é detalhada em gestos simples, porém muito reais.
De pena e saudade/Papai sei que morro/Meu pobre cachorro/Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus,
Já outro pergunta/ Mãezinha, e meu gado1?/Com fome, sem trato/Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai.
O que representará a perda de uma planta querida, e uma boneca para uma menina de interior? A cultura camponesa não é – ou não era – a do consumo, a do descarte, mas a da manutenção dos bens, do trato, da conservação. A representação é a do afeto mantido pelos objetos que significam as construções da cultura familiar, doméstica, estática ou de mobilidade espacial reduzida.
E a linda pequena, /Tremendo de medo,/ "Mamãe meus brinquedo/Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Coitado, ele seca/E minha boneca/Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai.
As perdas são ameaças ao futuro incerto que o pai é obrigado a pensar e decidir...
E assim vão deixando/Com choro e gemido/Do berço querido/ Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso/Nos fio pensando/E o carro rodando/Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai.
A consciência da perda se dá, portanto, no caminho. O local de chegada é o de se dar outro jeito, com as dificuldades de enfrentar a pessoas estranhas, a novos costumes, novas situações, novo patrão...
Chegaram em São Paulo/Sem cobre, quebrado/E o pobre acanhado/procura um patrão,/
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha/De estranha gente/Tudo é diferente/Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai.
O valor do trabalho redentor é a esperança na qual se joga o nordestino/nortista, no novo enfrentamento a que se dispõe. Movido pela perspectiva da volta, aprofunda suas dívidas e suas ligações com o novo lugar... O tempo aparece como inexorável elemento de fixação, de criação de novas raízes, embora saudoso das anteriores:
Trabaia dois ano,/Três ano e mais anos,/E sempre nos prano,/De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode/ Só vive devendo/E assim vai sofrendo/É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai.
Mas alimenta o sonho de volta, atento às notícias do sertão e a novas alternativas possíveis...
Se arguma notícia/Das banda do norte/Tem ele por sorte/O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito/Saudade lhe molho/E as águas nos óio/ Começa a cair
Ai, ai, ai, ai.
O tempo longo e as novas condições sinalizam para um caminho sem volta e a distância do local de origem toma uma dimensão cada vez mais concreta...
Do mundo afastado/Ali vive preso/Sofrendo o desprezo/Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando/Vai dia e vem dia/E aquela famia/Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai.
A perda definitiva da terra e da identidade se materializa na impossibilidade de voltar. Materializa-se também na consciência da perda da liberdade, do domínio sobre o próprio tempo.
Distante da terra/Tão seca mas boa/Exposto à garoa/A lama e o pau,
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista/Tão forte, tão bravo/Viver como escravo/
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai.
O ser camponês é um ser de baixa mobilidade social, como explicitado em outro
Momento[3].
Poderíamos falar de números, mas preferimos falar de sentimentos. Do sentimento de partida quando a única opção a fazer é a estrada em busca de outro lugar. Encontrar, no cancioneiro popular, versos sobre a vida de retirantes por causa da seca nordestina pode parecer lugar comum, mas uma análise detalhada de cada verso pode nos dizer muito do que os leva a esta mobilidade e o que se perde com ela. O Nordestino é praticamente sinônimo de viajante, como se uma segunda natureza tivesse, depois da de ser humano.
A importância do lugar como referência, como acúmulo de experiências vividas por pessoas que amalgamaram a cultura, que deram significados aos nomes das ruas, das praças, dos objetos, das fachadas das casas, dos jardins, dos quintais, tudo isso fica guardado na memória, mas os sinais dessas coisas no espaço são perdidos com a ausência forçada. O homem tem o estranho hábito de viver mais do que o seu tempo biológico, de atravessar o tempo na memória dos seus parentes, patrícios, vizinhos.
O homem guarda nos lugares sua existência, coleciona e celebra tristezas e alegrias em um armário que é maior do que sua casa, sua rua, seu bairro, sua cidade. E não abre mão, sem sofrer, de sua casa, seu bairro, sua cidade. Viver longe dos seus por necessidade, abandonar os seus por necessidade é uma ruptura dolorosa. E o êxodo traz, no fundo, essa marca do se deixar diluir nas cidades, nas ruas, nos caminhos, nas memórias. O camponês se faz em tessituras de relações primárias. Ele conhece e se relaciona com o seu vizinho, o seu compadre, o comerciante. Ele cria laços pessoais e os honra com a palavra e com os gestos de sua cultura, onde indivíduos, atores, papéis e personagens se confundem. A cidade grande impõe outro tipo de relação em que as pessoas são submetidas/reduzidas aos seus papéis. Hoje pode ser um a representá-lo, e amanhã outro, sem que se quebre o funcionamento do que é impessoal, mediado. As modalidades de negociação que se impõem são diversas nos dois campos – o urbano e o rural.
Discutimos, em outro texto de Guerra[4], no que consiste o êxodo enquanto problema econômico e social. E enquanto experiência vivencial, em que consiste o fugir da seca? O ser expulso da terra? O ser obrigado a vendê-la para cobrir os custos de tratamento de saúde de um parente próximo? Quantas histórias de vidas desestruturadas podem se contar na chegada de italianos, japoneses, alemães, poloneses, portugueses, espanhóis, árabes, turcos, açorianos, ucranianos, africanos, chineses, judeus, palestinos? Quanto custou, em termos de sofrimento, os quatro capítulos sobre a mão de obra da Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (1982)[5]. Quanto se poderia acrescentar às cifras do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, da borracha, da pecuária, das drogas do sertão, do cacau, do algodão, das 10 laranjas, do café, se contadas às separações, as longas viagens, as mortes por insalubridade dos caminhos, pela fome, pelo cansaço?
Quanto de débito não pago tem ainda no haver dos bóias-frias, dos sem-terra, dos sem teto, dos desempregados estruturais? Com quantos fios de arame e caixas de bala se faz a ocupação dos latifúndios improdutivos?
Com quantas ausências de escolas se faz a ignorância que mantém na passividade e dominação a legião de danados da terra?
E por que eles erram pelo mundo, em busca de pão e trabalho? Poderíamos se quiséssemos demonstrar isso não apenas em números, porque as pessoas são muito mais do que algarismos...
[1] GUERRA, G. A. D. Êxodos e dispersão dos camponeses no Brasil. Movendo idéias. VI, n. 9. Belém, CESA/UNAMA, julho de 2001b. 47-52.
[2] ASSARÉ, Patativa do. Cante lá eu que eu canto cá. Petrópolis, Vozes, 1978.
[3] GUERRA, G. A. D. O Posseiro da Fronteira. Belém, Universidade Federal do Pará, 2001.
[4] GUERRA, G. A. D. O Posseiro da Fronteira. Belém, Universidade Federal do Pará, 2001.
[5] FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1982